Não houve nenhum ritual, nenhuma festa, nenhum presente ou
flores, mas eu desejava muito me tornar uma mulher, uma mulher madura, uma
mulher de verdade, estava cansada de ser simplesmente uma menina e de ser chamada
de criança. Poxa! Não era assim que eu me sentia!
Talvez por ser a irmã mais velha, naquela época de 3, hoje de
4 (2 homens e 2 mulheres), mas é bem provável que eu quisesse me autoafirmar, me
sentir importante, madura, a adulta e assim poder sobressair dentro daquele
ninho familiar apertado, além disso era assim também que vinha sentindo o meu corpo
transbordante de hormônios femininos, por isso receber a menarca e sangrar como
uma mulher, vinha pra mim com esse tom de orgulho: o de me tornar - vir a ser -
uma mulher especial!
Minha mãe começou a me contar sobre a história do nascimento
dos bebês aos 7 anos e acredito que tenha conseguido concluir as explicações
somente por volta dos 9 anos, ou então foi com essa idade que pude assimilar a
história toda. Não consigo me recordar o que ela me contou sobre a menstruação,
mas era algo que eu desejava muito, e tinha admiração pelas mulheres que
tinham esse poder.
Havia acabado de completar 11 anos, naquela época jogava
vôlei e no meu time tinha algumas garotas, as "moças que já menstruavam”, que
viviam comentando no vestiário coisas sobre a menstruação, que naquele dia não
pôde colocar o jeans branco, e lembro que uma mostrava o bumbum pra outra e
perguntava se tinha “vazado”. Lembro que fingia já ter menstruado e assim elas
não achariam que eu ainda era criança, enquanto isso esperava
ansiosamente por aquele rio vermelho.
Tive uma educação bem aberta, minha
mãe não recebeu muita informação sobre o ser mulher da minha avó, mas transmitiu tudo o que sabia para nós. Quando recebeu a sua lua pela primeira vez ela achou que estava machucada e que
iria sangrar até morrer, isso me leva a imaginar como foi esse momento para a minha avó,
bisavó, tataravó, e me questiono se bem lá atrás, talvez uns 300 anos atrás,
uma dessas mulheres tenha saudado a chegada da sua primeira lua. Acredito que
sim! Acredito que as minhas ancestrais conduziram rituais para suas filhas, que
lhe enfeitaram com flores, ornamentos e que houve uma enorme celebração nessa
recepção.
Como foi a recepção da sua Primeira Lua?
Que emoções vieram junto com ela?
Com quem você compartilhou?
Você lembra quais foram as suas referências do feminino nessa
época? Uma amiga mais velha, professora, tia, irmã ou foi a sua mãe que te
iniciou nos saberes femininos?
Guardo na memória três modelos do feminino: o da minha mãe
e de duas tias, uma delas é minha madrinha e ela é apenas 11 anos mais velha, ela
tinha um namorado e eu sempre saia junto com eles, admirava seus seios fartos, ela
usava maquiagem, anéis e brincos grandes, quando ela
viajava secretamente ia até o seu quatro pra pegar suas coisas de mulher,
quando as usava me sentia poderosa.
Foi em uma tarde de inverno de lua nova em agosto, cheguei
da escola e fui correndo fazer xixi, quando olhei pra baixo, dessa vez lá estava ELA: minha primeira
LUA VERMELHA, meu primeiro SANGUE SAGRADO!
Uma súbita alegria tomou conta de mim, se fecho meus olhos
ainda me vem o sobressalto no peito, a energia no coração, a inspiração
profunda, o êxtase: agora SOU UMA MULHER DE VERDADE!
Já sai correndo pra contar pra minha mãe, não lembro se ela disse algo, acho
que apenas sorriu.
Que vazio! Que sem graça! Não era assim que
eu imaginava, precisava de algo mais, uma
parte muito desperta em mim desejou que esse dia fosse festejado e lembrado
para sempre, entretanto esses desejos ficaram adormecidos em mim por 21 anos e
com o nascimento do meu filho eles foram reanimados!
No início da minha puberdade não tinha conhecimento sobre as
cerimônias da entrada da maturidade ou o significado dos rituais de passagem; não
sabia que mulheres eram cíclicas e que podíamos nos conectar com a lua,
sincronizar os ciclos menstruais com ela e seguir o pulso da natureza; ninguém
me contou que aquele sangue era um dos maiores tesouros e o maior poder de uma
mulher, que eu poderia fazer uma mandala ou calendário lunar menstrual e anotar
minhas emoções, pensamentos, desejos e as transformações que meu corpo passa a
cada fase; não aprendi sobre os nossos arquétipos; nem sequer soube que existia
uma Deusa Mulher e um Feminino que era Sagrado; não me falaram sobre ecologia
feminina, absorventes ecológicos, coletores menstruais e sobre plantar a lua e
devolver o sangue pra mãe terra, para que assim pudesse perpetuar o ciclo de morte e
renascimento.
Muitas coisas não foram ditas, as mulheres que eu admirava não
sabiam sobre tudo isso.
Na verdade depois do dia que deixei minha infância pra me
tornar mulher, senti um vazio gigantesco, uma tristeza que não conhecia antes,
passei a sentir raiva da minha mãe e de todas as mulheres, o patriarcado podou
aquele êxtase, me contou que o sangue era descartável, menstruar desnecessário,
a TPM o maior pesadelo de uma mulher, passei a sentir vergonha do vermelho
borrado nas carteiras da escola, do volume do absorvente na calça, eu não
curti mais minhas férias na praia, odiava meu corpo, minha cara infestada de
espinhas, abominei aquelas cólicas, ser levada ao hospital pra conter os
vômitos e diarreias, morri de medo de não poder ser mãe quando recebi o
diagnóstico de que tinha um ovário "estragadinho" (nódulo ovariano/ endometriose) palavras de um doutor aos 17 anos; claro, me
afastei dos homens depois disso, os rejeitei por anos, passei a me auto-punir e
comer compulsivamente até chegar aos 94 kg, não me permitia sentir prazer, não
tive orgasmos, rejeitei e tive nojo da mulher fêmea e selvagem em mim.
Contudo, depois da noite escura, os primeiros raios de sol
brilharão, depois do inverno cinzento, as primeiras flores coloridas brotarão, depois
de um longo período de 21 anos adormecida, enfim estou despertando!
Estou tomando posse do meu SER MULHER, aprendendo dia após
dia um pouco mais sobre a Donzela, Mãe, Feiticeira e Anciã que vivem em mim,
estou permitindo ser vulnerável em alguns momentos sem me sentir fraca ou
inferior, venho aceitando meu corpo como ele é, perfeito pra mim e para as
tarefas a que vim desempenhar nessa jornada espiritual terrena, estou acolhendo
a mim mesma com mais gentileza, tendo mais paciência com meus ritmos e
imperfeições, tenho também aprendido a me perdoar, a receber o amor do meu
companheiro e a doar mais livremente.

Uma das maravilhosas vivências que tenho realizado é a de agradecer
às minhas ancestrais por tudo o que elas fizeram, viveram e foram, para que eu
pudesse ser quem eu sou e estar aqui hoje.
E a Divindade Feminina vem sendo muito generosa comigo, ela
tem me presenteado com a amizade de mulheres divinas - iluminadas - abençoadas
que vem compartilhado de sua sabedoria feminina comigo, por isso recebam esse
texto que ofereço em homenagem a cada uma de vocês: avós, mãe, sogra, tias,
primas, sobrinha, cunhadas, amigas, professoras, mestras, interagentes, a
irmandade que tem cocriado os Círculos de Mulheres: As Filhas da Lua e da Terra e a todas vocês que sangram.
Com amor compartilho minha história pessoal saída das
entranhas do meu Ser,
Dani
Ps. Se você tem uma filha, neta, sobrinha ou conhece alguma jovem
mulher que acabou de receber a sua primeira lua (menarca) dê a ela de presente
a Benção do Útero Individual, traga-a para a Benção Mundial do Útero ou a Celebração da Menarca. Onde? Quando?.
Olá, me identifiquei muito com a sua história. Boa parte dela parece com o que vivi. Qual não foi a minha surpresa ao saber que você tem endometriose. Também tenho, depois de alguns anos adormecida, finalmente voltei a ser eu mesma,a me reconhecer enquanto mulher é isso tem me ajudado muito na cura dá endo. Abraços fraternais.
ResponderExcluirLindo texto! Obrigada por compartilhar!
ResponderExcluirOlá! Lindo texto! Tenho duas meninas uma com 10 e a outra com 9 anos. Gostaria muito de passar a beleza desse conhecimento pra elas e fazer de sua menarca um momento especial! Poderia me orientar por gentileza!?
ResponderExcluir